Resumo

Objetivos: O sistema nervoso estomatogástrico (SNEG) é um complexo ganglionar periférico associado ao trato digestório em diferentes invertebrados. Entretanto, sua existência em gastrópodes é ainda muito controversa. Neste sentido, investigamos a morfologia e neuroquímica do SNEG no caracol Megalobulimus abbreviatus, o qual vem sendo utilizado como modelo neurobiológico por nosso grupo de pesquisa. Métodos: Foram realizadas: a descrição mesoscópica (12 animais) e as técnicas de hematoxilina-eosina, hematoxilina férrica e impregnação argentafínica (6 animais cada). A relação entre a inervação central e o SNEG foi verificada por traçamento anterógrado com Lucifer Yellow (LY) do ramo gastro-intestinal (rG) do nervo visceral comum (nV) em 6 animais. A natureza química dos neurônios estomatogástricos foi investigada por meio da detecção das atividades das enzimas acetilcolinesterase (AChE) e da nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato diaforase (NADPHd), além da imunorreatividade para o neuropeptídeo FMRF-amida (F-ir), serotonina (5HT-ir) e GFAP para determinação da glia periférica. Resultados: O SNEG é formado por um conjunto de quatro gânglios interligados que inervam o cárdia, pró-ventrículo, corpo da moela e piloro. Sua porção principal é o gânglio estomatogástrico (GE), situado na região médio-dorso-posterior da moela, constituído por 11 a 14 neurônios com diâmetros de 20μm-100μm, seguido do gânglio gástrico (GG) com 4-5 neurônios. Na transição entre o papo e o pró-ventrículo está o gânglio cárdico (GC) formado por 5 a 7 neurônios, enquanto que na transição entre a moela e o intestino localiza-se o gânglio pilórico (GP) formado por 4-5 neurônios. Nestes três gânglios o diâmetro neuronal é de 20 a 40μm. O principal nervo estomatogástrico segue da face anterior do GE, divide-se em três ramos para os demais gânglios e une-se ao nervo esofageal superior no GC. De forma similar, o nervo pró-ventricular dorsal passa pelo GG e termina no GC. Do GG partem os nervos pró-ventriculares laterais que interligam este ao GC. Os gânglios GG e GP estão interligados por um curto feixe axonal. A parede lateral posterior da moela é inervada por curtos nervos gástricos, originados do GE. Todas estas conexões formam uma rede de aspecto difuso sobre a parede do estômago. Os axônios do rG transportando LY terminam nos gânglios do SNEG e não se projetam diretamente aos plexos intramurais do estômago. Há a presença de somas neuronais com atividade AChE em todos os gânglios do SNEG, não tendo sido encontrados neurônios com atividade NADPHd, F-ir e 5HT-ir. Fibras nervosas com atividade AChE estão presentes nos nervos do SNEG, enquanto que as fibras NADPH-d, F-ir e 5HT-ir observadas no SNEG devem ser oriundas dos plexos mientérico e submucoso da parede do estômago, que se projetam principalmente para o GE. A presença de células satélites foi evidenciada pela imunorreatividade à GFAP em todos os gânglios do SNEG. Conclusões: A presença de SNEG revela a existência de um nível intermediário (além do central e do plexo intramural) de controle neural da atividade do trato digestório nesta espécie. O SNEG encontrado lembra uma organização análoga ao sistema nervoso simpático dos vertebrados, proporcionando uma nova visão sobre o controle neural do sistema digestório em moluscos, como já é proposto para os artrópodes. Instituição de Fomento: CAPES