Resumo

Comorbidades psiquiátricas como psicose e depressão ocorrem com freqüência em pacientes com epilepsia do lobo temporal (ELT). Distúrbios psiquiátricos e ELT usualmente cursam com alterações de funções cognitivas, que envolvem circuitos límbicos e o córtex pré-frontal. Considerando a ligação das funções cognitivas com processos mnemônicos recrutados durante tarefas de memória de trabalho, o presente estudo avaliou o aprendizado de ratos epilépticos no labirinto radial de 8 braços. Foram utilizados 23 ratos Wistar adultos, dos quais 13 foram submetidos a status epilepticus (grupo SE) e 10 formaram o grupo controle. Ambos os grupos receberam dieta livre até o início do treino em labirinto radial. O SE foi induzido por pré-tratamento com cloreto de lítio (LiCl; 127,17 mg/kg i.p.) seguido por injeção do agonista muscarínico pilocarpina (Pilo; 30 mg/kg s.c.). Uma vez iniciado, o SE foi monitorado por 4 h e interrompido por injeção de tiopental sódico (20 mg/kg i.p.). O grupo controle também foi pré-tratado com LiCl, mas recebeu solução salina (NaCl 0,15 M s.c.) ao invés de Pilo. Os animais do grupo SE passaram por um período de recuperação (21 dias), sendo filmados por 6 h diárias para registro de eventuais crises recorrentes espontâneas (CREs). Após as filmagens, os ratos dos dois grupos tiveram a dieta livre interrompida por uma privação alimentar que perdurou ao longo de todo o treino ao labirinto radial, de modo que mini-pelotas de ração fossem usadas como reforçadores para a aprendizagem. O treino consistiu em 21 sessões de no máximo 8 min (1 sessão/dia/rato). Dentro do período de 8 min, a meta era percorrer todos os 8 braços do labirinto, em cujas extremidades se encontravam as mini-pelotas de ração. Visitas a braços já explorados na sessão foram contabilizados como erros. Ao fim do treino de 21 dias, os ratos foram perfundidos e seus encéfalos removidos para futuras análises histoquímicas. Nossos resultados mostraram claro prejuízo na aquisição da tarefa espacial causado pela indução de SE. No grupo controle (n = 10), o número de erros caiu de 5,4 ± 0,9 no 1º dia de treino para 0,9 ± 0,4 no 7º dia e, a partir de então, manteve-se estável até o 21º dia. Em contraste, no grupo SE (n = 13) o número de erros permaneceu alto ao longo de todo o treino (8,0 ± 1,4 erros no 1º dia e 5,6 ± 2,0 no 21º dia). A análise de variância (ANOVA de dois fatores com medidas repetidas) indicou efeito significativo de grupos [F(1,20) = 25,9; P < 0,05] e de sessões [F(1,20) = 2,1; P < 0,05]. Todos os ratos do grupo SE apresentaram CREs. Nossos resultados indicam que a indução de SE afeta processos de memória espacial de trabalho evocados durante a aprendizagem em labirinto radial de 8 braços. Nosso próximo passo será avaliar a relação entre os processos comportamentais relatados pelo presente trabalho e os processos de plasticidade sináptica e morte neuronal decorrentes da ELT que podem ser estudados por meio de analises histoquímicas, levando-se em consideração o envolvimento de circuitos límbico-frontocorticais em déficits cognitivos e comorbidades psiquiátricas associadas à ELT.