Resumo

Fumantes ativos apresentam viés na atenção (VA) para pistas associadas ao ato de fumar. Contudo, ainda há dúvida se o viés é uma característica permanente do tabagismo que persiste mesmo após a remissão do uso de cigarro. Objetivo: investigar a relação entre tempo de abstinência e VA para imagens relacionadas ao tabaco. Método: participaram ex-fumantes (N=62) com idade média de 5011 anos divididos em três grupos, conforme tempo de abstinência: recente (AR; < 2,5 anos), intermediária (AI; de 2,5 a 10 anos) e prolongada (AP; >10 anos). O VA para pistas associadas ao tabaco foi avaliado através de uma tarefa de atenção visual computadorizada (visual probe task). A fim de avaliar a orientação inicial e a atenção mantida empregou-se três tempos de exposição (TE) de estímulos (200, 500 e 2000 ms). O VA foi calculado para cada participante, em cada TE, subtraindo-se o tempo de reação (TR) médio das vezes em que o alvo para o qual eles atendiam (seta) substituiu as imagens tabaco do TR médio das vezes em que o alvo substituiu as imagens controle. Valores positivos indicam VA para estímulos relacionados à droga e valores negativos sugerem um padrão de evitação destes estímulos. Resultados: independente do grupo, os ex-fumantes apresentaram um padrão de evitação dos estímulos-tabaco confirmado por valores negativos de VA (M= -18; DP=60) em todos os TE. A ANOVA 3x3 de medidas repetidas considerando os valores de VA médios dos grupos (AR, AI e AP) nos três TE revelou um efeito principal de TE [F(2,118) = 65,73, p<001], pois a esquiva aumentou nos TE maiores. Os TR dos três grupos foram comparados através de uma ANOVA 3x2x3 considerando o tipo imagem (tabaco e controle) e os três TE. Houve efeito principal de TE [F(2,59) = 77, 018, p>0,001], pois os TR dos participantes no TE 500 (M=800ms) foram menores do que nos TE 200 (M=850 ms) e 2000 (M=857ms), independentemente do grupo, o que pode ter decorrido de um efeito de treino. Também se constatou efeito do tipo de imagem [F(1,59) = 13,704, p>001], pois a média dos TR para imagens controle foram menores (M=824 ms) do que para as imagens tabaco (M=843ms), independentemente do TE, confirmando que os participantes orientaram a atenção preferencialmente para as imagens neutras. Observou-se ainda interação entre tipo de imagem e grupo [F(2,59) = 4,104, p=021], pois os TR para imagens tabaco e controle foram significativamente maiores nos grupos AR e AI mas não no grupo AP. Este dado pode indicar que a esquiva dos estímulos-tabaco é mais pronunciada entre aqueles abstinentes há menos tempo. Além disso, os ex-fumantes atribuíram pouca valência emocional às imagens alvo e reportaram índices baixos de fissura antes e após a tarefa. Conclusões: a esquiva dos estímulos-tabaco e a menor valência emocional atribuídas a tais pistas podem constituir um processo de modulação da atenção típico da abstinência. A evitação dos estímulos-tabaco foi observada em todos os TE, sugerindo que este padrão estava automatizado. Estes resultados podem indicar que ex-fumantes motivados a se abster empregam estratégias cognitivas a fim de suprimir o desejo pela substância e o processamento involuntário das pistas associadas à droga. Protocolos de terapia cognitiva estão sendo desenvolvidos para modificar o VA, pois o controle sobre a atenção e sobre a reatividade aos processos mentais pode ser determinante para que o fluxo automático de associações aprendidas que promovem a busca e o consumo da droga seja interrompido.