Resumo

Introdução: Alta proporção de sinapses, especialmente envolvendo o neurotransmissor glutamato, não se reduzem a uma conversa de dois neurônios, mas constituem um “triângulo” no qual participa também o astrócito. O nome “sinapse tripartite” foi cunhado para dar conta desta descoberta, que tem implicações funcionais relativamente aos mecanismos envolvidos nas funções cognitivas superiores, como a memória e a consciência. Objetivos: O objetivo deste trabalho é a modelagem das interações neuro-astrocitárias, no âmbito local das sinapses tripartites, e também no âmbito global de processos de integração cerebral que ocorrem na rede astrocitária, envolvendo diversos tipos de astócitos que interligam as colunas e camadas corticais, inclusive possibilitando comunicação inter-hemisférica através da matéria branca. Neste sentido, tenho proposto que a rede astrocitária funcionaria como um "Global Workspace" de natureza biofísica, dando suporte ao processamento consciente. Métodos: Elaboração de modelo analógico, descrevendo por exemplo o que tenho chamado "efeito dominó" e "efeito carrousel", procurando explicar como a propagação das ondas de cálcio na rede astrocitária ocorre de modo espacial e temporal compatível com a integração consciente. As conjecturas teóricas assim elaboradas são periodicamente confrontadas com resultados empíricos via revisões bibliográficas no banco de dados do PubMed. Resultados: No processo de formação de memória, tem-se observado que a participação do astrócito na sinapse tripartite influencia as respostas da rede neuronal a um estímulo excitatório, por meio da liberação de diversos glitransmissores, que atingem uma numerosa população de neurônios. As respostas são basicamente duas: a) processo de LTP, por meio de transdução de sinais intra-celulares, regulação gênica e aumento da produção de receptores sinápticos dando suporte à formação de memórias, ou b) desencadeamento de LTD, a qual bloqueia a formação de memória do estímulo e reduz a sensibilidade dos neurônios frente a nova estimulação do mesmo tipo. Modelos disponíveis da sinapse tripartite glutamatérgica suportam a hipótese de que a rede astrocitária definiria se um determinado estímulo vai ser lembrado ou esquecido. O sinal excitatório recebido pelo neurônio pré-sináptico é repassado para o neurônio pós-sináptico, que o transmite para outros neurônios; entretanto, o glutamato liberado pelo primeiro neurônio atinge não só o segundo como também o astrócito, gerando uma resposta não-linear deste. Conclusão: Como cada astrócito está conectado a até 140.000 sinapses, a partir do momento em que sua atividade fisiológica (formação de ondas de cálcio) ultrapassa certo limiar, esta célula pode ativar simultaneamente grande número de sinapses, favorecendo a sincronização dos neurônios envolvidos. De modo reverso, uma vez estabelecida a sincronia de grande população de neurônios, estes podem ativar concomitantemente os astrócitos aos quais estão conectados. Este círculo excitatório, envolvendo neurônios sincronizados e astrócitos, muito provavelmente está no centro do processamento cerebral da consciência. Quanto aos processos inibitórios, a transmissão GABAérgica pode elicitar ondas de cálcio, o que poderia contribuir para explicar o papel cognitivo das redes "default", ou seja, como processos inibitórios podem contribuir para a ativação dos conteúdos conscientes. Novos resultados experimentais, confirmando ou refutando estas conjecturas, são aguardados.